sexta-feira, março 18, 2005

Vaca Barrosã fugiu de Macieira da Maia há três semanas

Literatura popular do mais alto gabarito, publicada no Terras do Ave:

"Hoje tenho que escrever sobre algo de insólito que nos aconteceu.

Somos detentores de uma dúzia de animais de raça minhota (galega), para produção de carne.
Com a Reforma da PAC e a introdução do regime de pagamento único, é possível aumentarmos o encabeçamento devido à libertação de áreas da cultura do milho.
Acresce o facto de haver uns milhares de direitos de vacas aleitantes para distribuir, a quem se candidatar, dentro das regras estabelecidas, podendo o produtor apresentar um plano de crescimento para três anos.

Compramos a primeira vaca minhota em 1996 e desde essa altura que temos apresentado todos os anos pedidos de quota à Reserva Nacional, ou como agora, a pacotes especiais de direitos atribuídos por Bruxelas ao Estado Português, para todo o território nacional.
Em 1997 recebemos 0,2 direitos da reserva nacional; Em 2000 recebemos 5 direitos de um pacote especial.
Em 2004 recebemos 1,8 direitos de outro pacote especial, atribuídos porque tínhamos inscritas no livro genealógico da raça minhota 7 animais e apenas tínhamos quota de aleitantes para 5,2.
Actualmente temos 7 direitos de vacas aleitantes, mas como vão ser distribuídos mais, de um pacote de 45.000 direitos, para todo o País e há a hipótese de apresentar um plano compromisso de crescimento para três anos, candidatamo-nos a mais 8 direitos.

Foi esta vontade de crescer e mostrar que também as vacas aleitantes são uma alternativa para quem abandona o sector leiteiro ou não tem condições para entrar nele, que nos levaram a Ponte de Lima, para comprarmos mais 2 vacas minhotas.

O nosso informador no local, levou-nos à povoação de Escusa, na freguesia de Cabração, no cimo da Serra d’Arga, junto à Senhora do Minho.
Aí encontramos um rebanho de 11 animais, 8 adultas (das quais 2 eram barrosãs) 2 novilhas e um vitelo.
Conduzidos da Serra pelo agricultor/pastor de 73 anos muito curvado, pelo peso da canseira diária e dos quilómetros que tinha que percorrer com os seus animais para lhes matar a fome. Foi fácil o contacto e a conversa. Quando lhe perguntamos se queria vender 2 vacas, ele respondeu de imediato que as vendia todas, mas teríamos de falar com o seu filho que vivia em Gaia, para onde tinha também ido a sua mulher devido a problemas de saúde.

O nosso interlocutor vivia sozinho e a povoação tinha pouco mais de uma dúzia de pessoas. Falamos com o filho e fizemos o negócio. No dia 23 de Dezembro de 2004 trouxemos todos os animais para Macieira e o filho levou o pai para Gaia onde na "Graça de Deus", deve ter passado o Natal mais descansado.

À chegada dos animais desparasitámo-los e demos-lhe um "choque vitamínico".
O seu estado era muito débil e como não sabíamos se tinham problemas de saúde, pusemo-los em quarentena para lhes tirar sangue para analisar e ver o seu comportamento e adaptação alimentar e ao meio.

Até aqui tudo normal, se não fosse o facto de uma das duas barrosãs ter fugido no dia 23 de Janeiro de 2005, precisamente um mês depois da sua chegada à nossa exploração.
As minhotas adaptaram-se bem e começaram a melhorar a "olhos vistos", mas as barrosãs não.
Na tentativa de lhes melhorar os "aposentos" chamamos um transportador para as mudar para outras instalações, mas quando entram para o transporte uma resolveu atirar-se a baixo e fugir. Logo nesse primeiro dia correu as freguesias de Macieira e Fornelo até ao lugar do "bicho" onde deixamos de a ver. Na terçafeira estava junto à Agrária em Vairão e Fajozes onde tentamos fazer-lhe um cerco mas em vão pois fugiu-nos para Árvore.
Nessa noite de terça-feira vimo-la em Gião, Malta e Canidelo onde voltamos a perde-la cerca das 21horas.
Às 22,30 horas, estava novamente ao cruzeiro de Fajozes onde foi vista em direcção à Igreja.
No dia seguinte foi vista no lugar da Areia, em Árvore e depois estivemos quase uma semana sem saber por onde andava. Ouvíamos falar que foi vista em Pampelido, em Labruje e em Vila Chã.
Nós só a vimos novamente na quinta-feira, dia 3 de Fevereiro, na reserva de Mindelo, depois de alertados por agricultores desta freguesia.

Como ela se fixou aí, resolvemos falar com o Parque Zoológico da Maia que disponibilizou três pessoas entre elas uma Veterinária e um técnico com experiência para a tentar anestesiar, mas não conseguimos.

Hoje, 13 de Fevereiro ainda não conseguimos deitar-lhe a mão apesar das inúmeras armadilhas" que lhe preparamos.
Continuamos empenhados e a fazer todos os esforços possíveis para a apanhar viva.
Agradecemos a colaboração de todos os que têm ajudado e pedimos desculpas pelos estragos que a vaca tenha causado, nomeadamente a erva que rouba e pisa aqui e ali.

Voltaremos a dar notícias no próximo número.

sexta-feira, março 04, 2005

Areeiros



Entretanto muita tinta continua a correr sobre o assunto... os vários pareceres e relatórios elaborados (LNEC, Parlamento...) concluiram que a principal causa da queda da ponte foi a extracção das areias.

Em Março de 2004 os familiares das vítimas desistiram das acusações contra os areeiros (!!!). Poucos dias depois o juiz de instrução Nuno Melo opta por não pronunciar nenhum dos 29 arguidos no processo e os familares ficam revoltados (???).

Entretanto o Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão de arquivamento do processo e faz sentar no banco dos réus os técnicos da ex-JAE e os responsáveis da ETCLDA. De fora ficam as empresas de extracção de inertes. O advogado deles comenta que os areeiros “não poderiam ser responsabilizados por um dever de fiscalização que não lhes competia”. Por outras palavras, como não havia fiscalização, foi "fartar vilanagem". A partir de agora os culpados são os polícias, porque não impedem os assaltos, e não os assaltantes...
Relativamente a esta questão, e ao contrário de outros momentos, o Presidente da Câmara de Castelo de Paiva mostrou-se particularmente discreto...

Mas vamos ser justos. Com toda a probabilidade os areeiros respeitaram sempre os limites impostos e nunca suspeitaram que a sua actividade pudesse ter qualquer impacto. Para termos certezas basta ir visitar a Reserva Ornitológica de Mindelo, onde os mesmo areeiros continuam a trabalhar.

A Voz ao Povo de Entre-os-Rios



Faz hoje 4 anos. Caiu uma ponte, morreram 59 pessoas. Partilho o "texto de revolta" que escrevi em Março de 2001:

"Geralmente todos os grandes acidentes surgem na sequência de um número elevado de situações que, tragicamente, fazem coincidir os seus efeitos nefastos num determinado momento. Também relativamente à “tragédia da ponte” terá acontecido o mesmo: o Inverno tempestuoso, a fiscalização insuficiente, as descargas excessivas das barragens, a extracção e a acumulação das areias, a idade da ponte, a utilização que não estava prevista... todos os factores juntos, fazendo sentir os seus efeitos crónicos e agudos, provocaram a queda. Provavelmente nenhum deles isoladamente seria suficiente e por isso deveremos evitar simplificações dos acontecimentos que sejam injustas.

O que há a fazer neste momento, para além de tentar atenuar o irremediável, é evitar que novas situações semelhantes surjam procurando soluções de fundo. Podemos sempre instalar modernos aparelhos de controlo em todas as pontes e barragens, monitorizados à distância por numerosos técnicos qualificados e atentos, nacionais e estrangeiros, realizar visitas in loco todos os meses e inspecções rigorosas e exaustivas. Fazer grandes campanhas de sensibilização junto dos areeiros explicando-lhes os seus limites, que o lucro fácil é pecado, e prender os infractores, criar novos institutos e novas leis, mais quadros técnicos, novos programas de intervenção e fiscalização, fazer mais uma rodagem nas posições dos políticos. Tudo deveria ser começado pela substituição de todas as pontes com mais de cinco anos por pontes novas. Sem esquecer de controlar o clima e o azar.

Um interessante passatempo pode ser dividir as propostas acima em ingénuas, de fachada, insuficientes, de comprovada ineficácia, demasiado caras, complexas, impossíveis ou apenas irónicas.

Se pudéssemos voltar atrás no tempo (o que nem sequer com 10 milhões de pessoas a desejar ao mesmo tempo foi possível), o que é que teria de facto evitado que a ponte caísse? E já agora que fosse simples e barato?

Na verdade teria bastado ouvir os avisos das populações. E foram muitos e repetidos, chegando ao cúmulo de ter pessoas a serem chamadas ao tribunal no dia em que aparecia o primeiro corpo, acusadas de terem cortado o trânsito na ponte para chamar a atenção para a necessidade urgente de intervir.

Só as pessoas que vivem ao lado da ponte, que por lá passam todos os dias, que tantas horas passaram a olhar para ela, a contar histórias com a ponte como personagem, a ver trabalhar os areeiros e passar os camiões, a sentir os tremores e os ruídos e até os cheiros, dia após dia, só essas pessoas podem sentir o que nenhuma equipa de manutenção pode averiguar, o que nenhum técnico pode prever, o que nenhum político pode alguma vez reparar, e mesmo sem saber explicar porquê, essas pessoas sabiam que a ponte estava em perigo. E disseram-no.

E ninguém ouviu e ninguém fez nada. Porque em Portugal não são os cidadãos que mandam. É a tentação do lucro fácil, o bloqueio da burocracia, a sede de protagonismo dos políticos, na defesa de interesses que nada têm a ver com os das populações. Se as pessoas pudessem participar nas decisões colectivas que afectam directamente os seus interesses, se tivessem as suas cartas e abaixo-assinados à administração considerados, se as ouvissem, se fossem promovidos inquéritos de opinião para definir prioridades de investimento, promovidos referendos e assembleias... se os técnicos e os políticos tivessem parado para ouvir os berros de aviso dos cidadãos de Castelo de Paiva e intervindo de acordo, não havia idade da ponte, areeiro ou mau tempo que a deitasse abaixo, e nem sequer eram necessárias inspecções.

Este é o verdadeiro motivo estrutural e fundamental porque a ponte caiu: porque em Portugal não são as pessoas que mandam.

Desenganem-se os que acham que é uma questão de interioridade, porque nas cidades também as pessoas não são ouvidas e, se se gasta mais, também se gasta muito pior, assim como não são melhores os dramas diários que se vivem.

Para inverter esta situação é preciso admitir que a sabedoria colectiva dos cidadãos, integrada com o conhecimento técnico, vale mais que a decisão isolada do líder político fechado no gabinete, por mais reflectida e isenta que esta seja.

A possibilidade que temos hoje de de vez em quando escolher o menos mau dos candidatos eleitorais e votar em referendos esotéricos sabe a pouco e não é motivador. Sem formação nem informação, sem qualquer possibilidade real de influenciar as decisões, não se pode esperar que as pessoas assumam a política e participem. Quando em situação de desespero ou alvo de manipulação, os cidadãos acabam por optar pela única via que tem dado resultados: queimar pneus e chamar a televisão (aliás em ordem inversa). Obviamente esta é uma forma deturpada e não desejável de participação.

A implementação de um novo modelo de decisão participativa seria fácil, porque hoje já existem as ferramentas necessárias, mesmo em Portugal, e é impossível fechar os olhos aos exemplos de sucesso. Além do mais os técnicos, há muito bloqueados pela politiquice, receberiam certamente de braços abertos as prioridades definidas directamente pelos cidadãos.Mas no final talvez fôssemos obrigados a concluir que os políticos, tal qual os conhecemos, afinal não fazem falta nenhuma, antes pelo contrário. Que bem os poderíamos substituir por técnicos treinados para ouvir os interesses dos cidadãos. Poupando-se muito dinheiro, muita paciência e evitando que muitas das pontes caíssem."