cá vai, em primeira mão, a minha ultima cronica, a ser publicada no primeiro de janeiro de amanhã
Desenvolvimento Sustentável em Mindelo O concretizar de um sonhoAprendi a gatinhar nas areias de Mindelo, 34 anos atrás. Quem me via a carregar areia no meu camião de plástico ou a construir castelos e pontes bem que pode ter achado que teria um futuro brilhante na construção. Mas não. O que eu gostava mesmo era de explorar as “pocinhas” que se formavam nos rochedos, quando a maré vazava. De brincar com as estrelas-do-mar, com as anémonas e com as algas. De ir apanhar mexilhões e lapas com o meu Pai. E à tarde refugiar-me do calor nos canaviais perto de casa, onde construía cabanas e montava emboscadas. Hoje em dia as “pocinhas” ainda lá estão. Os canaviais é que já não, em grande parte transformados em casas.
Foi só em 1994 que visitei a Reserva Ornitológica de Mindelo pela primeira vez, ou melhor, que explorei aquela enorme área “oculta” entre Mindelo e Árvore. Chovia torrencialmente e por todo o lado havia lagos, pelo que tivemos de “saltar” de duna em duna. Nessa altura não fazia ainda ideia das ameaças que pairavam sobre este espaço, nem conhecia o longo historial de estudos científicos aqui realizados que remontam, pasme-se, aos finais do século XIX! Este dia acabaria por ser marcante para a decisão de, três anos mais tarde, decidirmos vir morar para Mindelo.
“Pensar Global, Agir local”. Enquanto ambientalista em gestação, tratei de descobrir quem era aquela gente que, de forma pioneira, protegia as dunas e reciclava o lixo. Acabei por ir bater à porta da sócia n.º 1 dos Amigos do Mindelo. Tanta coisa que havia para fazer! Por isso decidi começar pela ROM. Havia que dar continuidade a tantos anos de luta em defesa da criação de uma área verdadeiramente protegida. Dez anos antes, em 1987, tinha sido feito o “Plano Preliminar da Área de Paisagem Protegida do Mindelo - Vila do Conde”. Mas tudo continuava na mesma.
Os anos seguintes foram passados a chamar a atenção para este espaço, a tentar mostrar todo o seu potencial. A dinamizar visitas de escolas e palestras, a distribuir pára-ventos no Verão e guarda-chuvas no Inverno, a organizar peças de teatro e concursos, exposições e debates, a distribuir folhetos, cartazes e autocolantes, a recolher assinaturas e afixar faixas, a promover anilhagens de aves e limpezas de lixo, plantações de árvores e de placas. A fazer estudos e pareceres, seguir mapas e tirar fotografias, a mandar cartas e e-mails, a passar (literalmente) milhares de horas em reuniões e ao telefone. A dar entrevistas, muitas entrevistas…
Mais dez anos passaram (como é estranho o tempo). Os Amigos do Mindelo cresceram. A ROM afirmou-se. A Câmara Municipal decidiu-se e vai enviar o pedido de classificação de paisagem protegida para o Instituto de Conservação da Natureza. O consenso é geral. Há que criar um espaço de conservação da natureza e educação ambiental, a pensar na qualidade de vida dos que cá moram e dos que para cá virão morar. Sim, porque quem mais irá ganhar no meio disto tudo são os proprietários e a malta do imobiliário. Quem não irá querer morar perto da única área protegida da região, que até uma estação do metro tem?
“Desenvolvimento Sustentável em Mindelo - O sonho de uma comunidade que quer ser exemplo nacional”. Foi este o título de um artigo que escrevi em Dezembro para a revista do Eixo Atlântico. Foi este o tema da palestra que esta quarta-feira dei na Universidade Católica, contando aos alunos de Engenharia do Ambiente, e aos de Educação Ambiental (futuros facilitadores de Ecoclubes), a história de dez anos maravilhosos. Como a Agenda 21 de Mindelo mobilizou a população para definir o seu Futuro, como os Ecoclubes nasceram e se espalharam pelo País, como é fácil reciclar os resíduos ou cozinhar com o Sol. Como tiramos centenas de pessoas do sofá e as levamos a passear na natureza.
“O sonho de uma comunidade que quer ser exemplo nacional”... o leitor crítico deve estar a pensar “presunção e água benta, cada um toma a que quer”. Ou se preferirmos, para a vaidade e para a devoção não há limites. Bem, o nosso segredo é muito da última e alguma coisa da primeira. Afinal, também há que puxar pelo orgulho em ser Mindelense para animar a malta, né?
A criação da área protegida será para Mindelo (e Vila do Conde) o concretizar de um sonho. A comunidade irá acordar para uma realidade mais sustentável e, a todos os títulos, mais agradável. Aos poucos, é certo, com percalços e muito esforço. Mas o primeiro passo fica dado. Um dia talvez sejamos mesmo um exemplo nacional.
A nível pessoal, fecha-se um ciclo, em que o sonho comandou a vida. De muitos pulos e avanços, mas também de quedas sofridas. Passarei o testemunho, mas não sem antes abraçar a nova ROM, Fénix renascida aos 50 anos. Assim termina a crónica de uma despedida anunciada.
Pedro Macedo, Amigos do Mindelo